quinta-feira, novembro 16, 2006

COISAS DO PRIMO FAUSTO

Lia-se perfeitamente a frase num pequeno anúncio de Jornal.
"Compra-se alma. Paga-se bem"
Fausto achou a proposta interessante.
Como nunca foi crente ou poeta, sempre achou a própria alma algo de grande inutilidade.

Guardava a alma na gaveta das cuecas e poucas vezes tivera motivos para a tirar de lá. Mas agora havia um: dinheiro.
Desde que a proposta fosse boa, Fausto iria trocar a alma por uns cobres.

Poderia não ser o acto mais católico do mundo, mas também não era católico, nem budista, nem protestante.
A transacção foi simples. A maquia era boa. Bastou uma assinatura ao número do contribuinte.

Em minutos, Fausto era um homem desalmado.

Fausto nem perguntou o que iriam fazer da sua alma. Era um assunto pouco importante. Saiu da loja como bolso cheio notas e um grande sorriso estampado no rosto. Desde então Fausto prosperou.
Aplicou o dinheiro na bolsa e ganhou. Com o lucro comprou uma empresa falida e transformou a num grande negócio. Meteu se nos mais arriscados projectos sem nenhum medo, pois quem não tem alma não teme. Tornou se num empresário de sucesso. Deu entrevistas a todos os jornais do país, ficou famoso e cada vez mais vaidoso consigo mesmo. Um belo dia, estava Fausto no seu apartamento de três andares em Nova Iorque quando a morte chegou.

Vim buscara sua alma.

Deve ter se enganado no apartamento. Já não tenho alma há muito tempo.
O senhor não se chama Fausto Matias de Sousa?
Sim, é o meu nome.
Então não há engano algum. Por favor, entregue me a sua alma sem grandes resistências. Tenho hoje uma agenda cheia. Dentro de vinte minutos haverá um atentado no metro, ali pelos lados do Harlem, e só isso vai ser o suficiente para ocupar me a tarde inteira.
Caríssima morte, já disse que não tenho alma alguma. Vendi a faz mais de trinta anos. Se duvida, olhe aqui o recibo.
Hum... Tanto? Pagaram lhe bem. Já vi gente que vendeu a alma por muito menos.
Era uma boa alma, quase sem uso.

Praticamente não a tirava de casa.

Bem, o recibo parece me verdadeiro. Peço desculpa pelo incómodo.

Desde que instalaram os novos computadores lá no inferno, aquilo tem se tomado um inferno, se me permite a redundância.


Se veio buscar a minha alma é sinal de que alguém ainda a tem e esse alguém irá morrer hoje. É possível saber quem é essa triste figura?
Sim, sim. Posso usar o seu telefone?

Claro. Está logo ali naquela mesa, por baixo do Picasso falso.

A morte arrastou a sua foice até o telefone. Fez a chamada. Enquanto isso, Fausto fumava um charuto cubano.

O apartamento foi tomado por uma cortina de fumo, tresandando a charuto e enxofre.
Ora bem, senhor Fausto, já descobri o equívoco. Na verdade, a sua alma pertence hoje a um famoso cientista, que mora do outro lado do Central Park.

E ele vai morrer de quê?
Vai escorregar no sabonete e bater com a cabeça na banheira. Vai ser uma grande partia. O tipo estava prestes a descobrir uma vacina para uma epidemia que irá alastrar se pelo mundo dentro de dois ou três anos a que irá matar toda a população do planeta.

Toda a população?
Sim. Vai ser uma trabalheira. O mundo vai ficar reduzido às baratas e aos desalmados como o senhor que como não têm alma não podem morrer.
Somos muitos?

Imensos. Só em Nova lorque há mais de dois milhões.

Pena. Estou a ver que os engarrafamentos vão continuar.

Bom, tenho de ir.
Fausto despediu-se da morte.

Foi para a varanda e pôs se a olhar a cidade. Estranha era a vida, pensou. Pôs se a reflectir no futuro atroz da humanidade. Era trágico que só por uma questão da troca de uma alma morresse o tal cientista no seu lugar e, com ele, toda a esperança do mundo. Nesse exacto instante, Fausto avistou uma pequena barata ao pé de um jarro de plantas. Olhou fixamente e percebeu que entre os dois havia coisas em comum. A mesma ausência de sentimentos ao mesmo destino: partilhar o planeta só porque eram representantes de duas espécies impuras. Fausto foi tomado então por uma comoção.

Sentiu que precisava fazer algo. Não podia aceitar o futuro que se avizinhava de maneira passiva. Caminhou em direcção à barata e sem pestanejar tomou uma atitude que iria marcar todo o resto da sua eterna vida.
Menos uma!

Gritou ao pisar a barata, sem piedade.

6 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Adolfo, não achas que a tua história devia ter uma moral? assim fazes passar a ideia que o mal compensa e bla, bla, bla... achas isso bem? e as crianças que aqui andam???? o teu blog devia ter bolinha!

quinta-feira, 16 novembro, 2006  
Blogger minds said...

Eeheheheh a PT e de escavacar!!!
Mas o teu post ta muito forte mesmo!!
Gostei

quinta-feira, 16 novembro, 2006  
Blogger Do éter para o éter said...

Ó desalmado queres a tua alma de novo?

Se quiseres vem buscá-la que eu dou, sem te cobrar nada de volta...

Se preferires também posso imaginar que és uma baratinha e gritar MENOS UMA!

O que decides?

sexta-feira, 17 novembro, 2006  
Blogger LucioInferro_Adolfo said...

Pt, gostei do teu comentário.
Mas olha que moral da que basta acrescentar água e que é para o avõ e para o bebé não te fica nada bem ;)

Minds, forte e corrosívo quanto baste. Um beijo grande.

Éter :D
Andas bem?
Nós aqui rezamos por ti.

sexta-feira, 17 novembro, 2006  
Blogger Do éter para o éter said...

Não, não ando nada bem...aqui a casa cada vez está mais amarela!!!

Preciso que tu, o galito, a formiga e o desalmado rezem por mim!

Ou então que me ajudem a pintar a casa de novo!

Bjs

sábado, 18 novembro, 2006  
Blogger Pink said...

Muito bem pensada esta estória do Fausto moderno e do futuro do planeta! Gostei de ler apesar de toda a carga negativa que implica.

Um beijo

sábado, 18 novembro, 2006  

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