quinta-feira, outubro 19, 2006

CONVERSAS DOS IRMÃOS

ADOLFO :-Já reparaste que toda gente pisca?

LUCIO:-Claro. Qual é o problema?

ADOLFO:-Tenho medo de parar de piscar. Desde pequeno tenho esta paranóia.
Estás a falar a sério?

ADOLFO:-Ninguém percebe mas piscar é importante.

LUCIO:-Óbvio que é importante. Como arrotar é importante. Espirrar é importante. E tirar macacos do nariz é mais do que importante, é delicioso e fundamental.

ADOLFO:-Não estás a perceber. O espirro é acidente, é uma casualidade. Podes passar anos sem espirrar que nada acontece à tua vida. Piscar não. Tu piscas todos os dias desde que nasceste. Aliás, se calhar até desde antes. Os fetos piscam?

LUCIO:-Sei lá, devem piscar. Não há muito o que fazer lá na barriga da mãe. É mais provável que pisquem do que participem em torneios de karaoque.

ADOLFO:-Eu não disse! Eu não disse!

LUCIO:-Não disseste o quê?

ADOLFO:-Piscaste!

LUCIO:-Não pisquei coisa nenhuma. Não sou homem de ficar a piscar para os outros.

ADOLFO:-Piscaste outra vez!

LUCIO:-Se pisquei foi sem querer. Vamos mudar de assunto que esta conversa já está a irritar me.

ADOLFO:-Repara bem. Tu acordas e piscas. Tu, quando beijas, piscas. Quando comes, piscas. Quando casas, basta olhar para as fotografias da cerimónia, estás sempre a piscar. Não paramos de piscar um só minuto das nossas vidas. E sabes o que acontece quando deixamos de piscar?

LUCIO:-Não, não sei.

ADOLFO:-Morremos. Só o morto não pisca. Morrer é a piscadela definitiva, derradeira, fatal.

Fez se um silêncio na mesa. Já era tarde.
O Sol punha se. Ficaram a olhar um para o outro, a pensar na vida, no mundo, nas coisas. E a piscar, a piscar, a piscar ....